sábado, julho 15, 2006

Chapter 1



Ocupo a mesa mais recatada do bar, observo o movimento. Penso em mim, penso em ti.
Já não sei quem fui.
Entra um homem. Trinta e poucos. Cabelo escuro, revolto. Olhos verdes, profundos.
Senta-se na mesa perto da janela. Observa a rua. Pensativo.
De um dos bolsos retira um pequeno caderno e escreve nele. Palavras, sentimentos.
Sei o que escreve. Sei o que pensa.
Volta levemente o olhar e pousa-o em mim. Sorri-me, inclinando a cabeça num gesto de reconhecimento.
Ao meu lado, vai tomando forma, uma mulher de olhar desvairado e perdido. Rosto crispado. Uma garrafa de whisky, um copo vazio. Algumas linhas depois: a garrafa vai a meio.
O seu mundo torna-se aveludado, maleável, leve. Os pensamentos dispersam, a língua solta-se e um riso sarcástico rasga o ar. «A vida é irónica. Incompreensível.», diz-me.
Agora sou a confidente desta estranha mulher. Conta-me a sua história, sem nexo algum. Rasuras. Repete-me a narrativa, que vai ganhando contornos nas mãos do homem. Olha-nos, agora, com um sorriso cúmplice.
Levanto-me, deixando a mulher. O seu olhar perdido no vazio, não me vê.
Desloco-me por entre outros homens e mulheres que nem notam a minha presença. E sei-o. Isso não me incomoda.
Sento-me à frente do homem. Olho-o desafiadora. Não trocamos palavras. Os nossos pensamentos fundem-se.
Saímos juntos e avançamos pela rua de mãos dadas. Sempre em silencio.
O mundo à nossa volta desvanece-se.
E naquele lugar, onde o nada existe e é tudo, pergunto-lhe: «Porquê?!»
Nos seus olhos nasce uma sombra, esta não consigo desvendar. E responde-me: «Ainda não é chegada a hora.»
Então abre o caderno e escreve algo.
Volta a estar sentado na mesa perto da janela. Nunca a desocupou.
E eu deixo de ser. Já não existe a mulher na mesa do canto, nem a sua estranha confidente.
Num sussurro, antes de me extinguir, diz-me: «Espera por mim.»
Já não existo naquele bar, nunca lá passei.